30.
A renovação atual da Catequese nasceu para responder aos desafios de uma nova
situação histórica. Esta exige a formação de uma comunidade cristã missionária
que anuncie, na sua autenticidade, o Evangelho e o torne fermento de comunhão e
participação na sociedade e de libertação integral do homem.
Para
realizar esse objetivo, a Catequese precisa de sólido fundamento. Ele só pode
ser procurado na própria Palavra, pela qual Deus revela sua vontade de comunhão
plena com os homens.
31.
No Novo Testamento, o termo Catequese significa dar uma instrução a respeito da
fé. Em sua origem, o termo se liga a um verbo que significa fazer ecoar
(Kat-ekhéo). A Catequese, de fato, tem por objetivo último fazer escutar e
repercutir a Palavra de Deus.
32.
O que é Palavra de Deus? O que significa Revelação? Que relação tem isso com a
Catequese? São questões fundamentais, que serão aprofundadas no capítulo I. O
capítulo II tratará das exigências da catequese.
2.1.1. A LINGUAGEM DA COMUNICAÇÃO DE DEUS
33.
Deus, em sua bondade e sabedoria, quis revelar-se a si mesmo… Deus fala aos
homens como a amigos e com eles conversa…. Assim o Concílio Vaticano II (DV* 2)
expressa a convicção sobre a qual a Igreja e todo cristão edificam a sua fé.
Mas, como Deus fala?
34.
A principal forma de comunicação humana é a palavra. Mas,
há outras linguagens com que os homens podem comunicar-se. Muitas vezes, um
gesto diz mais que muitas palavras. Também gestos e fatos podem
constituir uma linguagem.
35.
Deus, para se comunicar com os homens, adotou essas duas linguagens que se
completam mutuamente: a das palavras e a dos gestos ou acontecimentos (cf.
ainda DV 2).
36.
Além da linguagem, é necessário entender outros aspectos dessa comunicação
entre Deus e o homem: 1) o que Deus quer
comunicar; 2) a quem se dirige; 3) que obstáculos encontra.
37.
1º) Deus não quis e não quer comunicar aos homens apenas alguma verdade ou
alguma lei. Ele quer comunicar a si mesmo, sua presença, seu amor (cf. DV 2 e
também DV 6).
38.
2º) Deus não quer fazer isso separando as pessoas, mas unindo-as. Deus quis
santificar e salvar os homens não isoladamente, sem nenhuma conexão uns com os
outros, mas constituí-los num povo, que o conhecesse e o servisse santamente
(cf. LG 9). Mesmo quando Deus se revela através de um profeta, é sempre ao povo
que se dirige; e é sempre numa ligação vital com a comunidade que a pessoa é
chamada e chega à fé em Deus.
39.
3º) Entre o homem e Deus há uma distância incomensurável, não só pelo desnível
natural entre a grandeza infinita de Deus e a fragilidade da condição humana,
mas também pelo pecado, que é uma recusa da comunicação com Deus, uma recusa do
Amor. Uma vez que o homem não pode chegar sozinho ao pleno conhecimento de
Deus, é necessário que o próprio Deus tome a iniciativa de se revelar, de
remover as barreiras entre ele e nós, deixando de ser um Deus escondido para
nos mostrar o seu rosto, quem ele é.
2.1.3. A "PEDAGOGIA" DE DEUS
40.
Compreende-se agora que a Revelação de Deus é mais um processo, uma caminhada, do que um ato realizado imediatamente e de uma vez.
41.
Isto acontece, não porque Deus não quer comunicar-se logo e por inteiro. Deus É
comunicação, Deus É amor. Deus está sempre perto de nós. Mas somos nós que nos
afastamos dele. Somos nós que precisamos desse processo lento e permanente da
Revelação, porque seres históricos, em construção.
42.
Em outras palavras, a humanidade não está preparada para acolher a Deus
plenamente. Muitos obstáculos a separam dele. Muitos pecados a desviaram.
43.
Deus, então, ele mesmo procura guiar a humanidade de volta. Procura orientá-la,
aproximá-la de si. Torna-se para seu povo como um pai ou uma mãe que ensina à
criança os caminhos da vida. Torna-se um mestre ou educador, que ensina aos
alunos caminhos mais adiantados em busca da verdade e da felicidade. Como um
pai educa seu filho, assim Deus educa seu povo (Dt 8,5).
44.
Por isso, pode-se falar em pedagogia de Deus (cf. DV 15), para indicar a forma
com que Deus se revelou na História da humanidade, gradativamente, por etapas.
2.1.4. A HISTÓRIA DA REVELAÇÃO
45.
A Revelação de Deus foi conservada, de início, por uma tradição oral contada de
pai para filho (cf. Dt 4,10; 11,19), de boca em boca. Depois foi posta por
escrito na Bíblia.
46.
A Bíblia usa raramente a palavra Revelação. Tampouco faz teorias sobre ela.
Conta, sobretudo, fatos. Alguns desses fatos podem ajudar-nos a compreender
como se dá a Revelação. São principalmente fatos que apresentam o encontro de
Deus com o seu povo ou com um profeta.
47.
Tomemos um exemplo: a revelação de Deus a Moisés (Ex 3,1-15). Deus atrai Moisés
com um sinal: a sarça ardente. E a Moisés comunica duas coisas: o seu Nome e a
vontade de libertar os filhos de Israel. Reparemos bem: De um lado, Deus se
apresenta como Deus dos pais, dos antepassados de Moisés, o Deus que Moisés já
conhece e adora. Até aí, nada de novo. De outro lado, Deus revela algo novo que Moisés e seu povo não conheciam: o
nome Javé (que significa Aquele que sou ou Aquele que
estou convosco) e a vontade de
libertá-los.
48.
Nos encontros de Deus com o seu povo e seus profetas, é possível reconhecer
essa estrutura da Revelação: Deus fala partindo de algo que os homens já
conhecem, que pertence à experiência deles, e procura levá-los a descobrir e
compreender algo novo do seu ser, do seu amor,
da sua vontade. Ou ainda: Deus ilumina o seu povo e seus profetas para que
compreendam o sentido da História que estão
vivendo, dos acontecimentos que Deus quis ou permitiu.
49.
Muitas vezes, o acontecimento é tão importante que ilumina com luz nova todo o
passado e leva a uma nova e mais profunda compreensão do plano de Deus. É o que
aconteceu com a experiência da aliança. À luz dela, foi interpretada toda a
história da salvação: a criação (cf. Is 40,25-28; 44,24; etc.), Noé (Gn 6,19;
9,9), Abraão (Gn 17,2), Moisés (Ex 19,5; 24,7), Davi (2Sm 23,5). A fé de Israel
se expressa através da evocação da História (Dt 6,20-23; 26,5-9).
A
luz definitiva sobre a história da Revelação vem de Jesus, que revela enfim
toda a amplitude do amor de Deus.
2.1.5. A PLENITUDE DA REVELAÇÃO: JESUS CRISTO
50. A
expressão mais alta, absolutamente única e definitiva da comunicação de Deus à
humanidade, é Jesus, o Cristo (cf. DV 4). Nele, Deus não se limita a manifestar
algo de seu Amor. Deus se dá a si mesmo. Jesus é a encarnação, na natureza
humana, do Verbo. É a própria Palavra de Deus feita carne (Jo 1,14).
51.
Jesus Cristo se torna assim, para os homens de todos os tempos, caminho,
verdade e vida (Jo 14,6). Só por ele se vai ao Pai. Ele é a plenitude da
Revelação. Por isso, depois de Jesus, já não esperamos novas revelações. É
importante, porém, observar como Jesus
revela o Pai. De novo encontramos a presença de acontecimentos e palavras
estritamente uni dos. Sua encarnação, sua vida terrena, especialmente sua morte
e ressurreição são fatos em que a fé reconhece Deus que se revela e se
comunica.
O
sentido desses fatos se torna acessível a nós pelas próprias palavras de Jesus,
que compreendemos com a ajuda do Espírito Santo e da Igreja.
52.
Para a Catequese, é ainda importante reparar que Jesus, na sua pedagogia, para
levar seus ouvintes à plenitude da fé, não despreza a história anterior da
Revelação, o Antigo Testamento, e também recorre às situações de vida e à
experiência das pessoas, educando-as para que reconheçam nelas os apelos de
Deus.
2.1.6. CRISTO SE COMUNICA PELO ESPÍRITO SANTO
53.
Jesus é a plenitude da Revelação de Deus. Neste sentido, Deus não tem mais nada
a revelar de si mesmo (cf. DV 4). Tudo o que é do Pai foi comunicado a Jesus, e
Jesus o comunicou a seus discípulos e após tolos (Jo 15,15; cf. também DV 7).
Revelou os mistérios quer dizer, a intimidade de Deus, o que até então
estava escondido não aos sábios e entendidos, mas aos simples (Mt 11,25).
54.
Mas Jesus, exatamente porque nele habita a plenitude de Deus e só nele se
encontra a salvação, deve tornar-se de alguma forma contemporâneo e companheiro
de todos os homens. É esta a tarefa que se realiza através do Espírito de
Jesus, o Espírito Santo que atua na Igreja. Neste sentido, pode-se dizer, com o
Concílio Vaticano II, que Deus continua mantendo permanente diálogo com a
comunidade cristã (cf. DV 8c) e que o Espírito Santo faz ressoar na Igreja e no
mundo a voz viva do Evangelho, conduzindo os fiéis para a plenitude da verdade
(Jo 16,13).
55.
Como o Novo Testamento afirma repetidas vezes, a experiência do Espírito na
comunidade cristã é inseparável da memória de Jesus (cf. Jo 14,26; 15,26;
16,13-14; At 2,17-36; 1Cor 2,1-16; 12,3; 2Cor 3,3; etc.). Mas a ação do
Espírito não está somente voltada para o passado. Ela quer conduzir a vida e
fazer crescer a fé do Povo de Deus (DV 8a). Ela se volta também para o futuro,
para a plenitude da verdade, fazendo progredir a compreensão tanto das
realidades como das palavras confiadas à Igreja.
56.
O Espírito não age só, livre e
misteriosamente, como o vento da noite, que
não se sabe de onde vem e para onde vai (Jo 3,8). Ele,
para manter inalterado e vivo o Evangelho, suscitou e conserva na Igreja a
Tradição, a Escritura e o Magistério (cf. DV 7-10).
BIBLIOGRAFIA: Catequese
renovada: orientações e conteúdo – Parte II, Documento 26 da CNBB, 1983